segunda-feira, 31 de maio de 2010

Em 'maratona vocal', presidenciáveis adotam cuidados com garganta.

No último sábado, dia 29, saiu no portal de notícia G1 a reportagem abaixo que fala sobre o uso intenso da voz dos candidatos à presidência. Destacamos para vocês.


Serra faz exercícios vocais e procura tomar água constantemente.
Marina chegou a cancelar agenda e defendeu 'uso sustentável da voz'.



Na corrida acelerada em que se transformou o período de pré-campanha eleitoral, o primeiro sinal de cansaço foi dado pelas gargantas dos pré-candidatos à Presidência da República. Em meio a uma agenda intensa de entrevistas, discursos e viagens, Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) reservam tempo para fazer exercícios vocais e se cercam de cuidados para preservar a fala, instrumento fundamental na disputa.

Em eventos em março, Dilma e Serra tomam água, principal recomendação de especialistas; esforço de Marina com voz é 'visível' no pescoço, diz fonoaudiólogo (Foto: Agência Estado e Reuters)

A ex-ministra Dilma Rousseff aproveita os intervalos entre compromissos - seja no carro ou no avião - para fazer exercícios vocais recomendados pela equipe da jornalista Olga Curado, consultora de imagem que a assessora, e por seu fonoaudiólogo.

A preocupação com a voz surgiu no ano passado, quando, em decorrência da quimioterapia a que se submeteu para tratar um câncer no sistema linfático, teve efeitos colaterais de ressecamento na garganta e na boca. Desde então, passou a ser acompanhada por um especialista e utiliza spray de hidratação e soro fisiológico constantemente.

Preocupado com a voz, Serra chegou a interromper, recentemente, um discurso e uma entrevista para tomar água - uma das principais recomendações dos fonoaudiólogos é a hidratação, que lubrifica as pregas vocais.

Entre um deslocamento e outro para cumprir os compromissos da agenda, faz exercícios até no carro. “Campanha não é andar pelo Brasil, é falar pelo Brasil”, resume, ciente de que, até o primeiro turno, serão mais quatro meses de maratona vocal.

Além dos exercícios e da água, entram ainda na lista de medidas tomadas pelo tucano um certo “pó japonês” que seu acunpunturista teria recomendado e mel. Outras receitas não faltam. No meio de uma entrevista em que a voz lhe falhou, recebeu a recomendação de comer maçã por ser “adstringente”. “Meu problema é gripe e alergia. Ar-condicionado também me faz muito mal”, diz o ex-governador.

A queixa tem fundamento. Para os especialistas, mudanças bruscas de temperatura, como sair de lugares abertos com temperatura elevada e entrar em ambientes fechados com ar-condicionado irritam a garganta. Nesse caso, falar em “maratona vocal” não é força de expressão.Formada por músculos, as cordas vocais precisam de treinamento de resistência e flexibilidade e de aquecimento, alertam os especialistas. O preparo deve ser feito no mínimo dois meses antes do início da pré-campanha e inclui ainda exercícios para coordenar a respiração com a fala.

“É como uma pessoa que está se preparando para uma maratona e faz um treinamento com personal trainer. Um jogador de futebol faz aquecimento antes de entrar em campo porque, se não fizer, está mais sujeito a ter lesões. Com a laringe é a mesma coisa”, explica a fonoaudióloga Ingrid Gielow, doutora em distúrbios da comunicação humana e responsável pelo departamento de voz da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.

Marina faz ‘uso sustentável da voz’
Estampados pelas vozes roucas, os problemas de voz e garganta até viraram assunto de discursos e entrevistas. Defensora da sustentabilidade, Marina Silva passou a brincar com a inflamação que teve na laringe. Ao iniciar o discurso no lançamento de sua pré-candidatura, no Rio de Janeiro, disse que iria adotar um “uso sustentável da voz”: "Dizem que minha campanha tem que ser 'viral'. Concordamos inteiramente, mas não precisa ser viral na garganta.”

Antes disso, a senadora do PV passou por problemas maiores. Na primeira sabatina com os três presidenciáveis, realizada no início do mês em Belo Horizonte, Marina, gripada e rouca, falou por cerca de uma hora. Ao microfone, se explicou dizendo que, se não comparecesse, diriam que ela estava “fugindo do debate”.

Depois do esforço feito no evento, a saída foi repousar. Ela acabou cancelando uma viagem a Porto Alegre, prevista para o dia seguinte, para tratar do processo inflamatório que já durava quase uma semana. Marina tem se consultado com uma fonoaudióloga e evita tomar água ou suco gelados. Além disso, devido a alergias, mantém alimentação “quase monástica”, segundo define o coordenador de sua pré-campanha, Alfredo Sirkis.

Os cuidados da senadora com a alimentação – ela evita frituras e alimentos condimentados – ainda que não se devam aos cuidados com a voz, mas sim a problemas anteriores, ajudam a evitar gastrites, que podem causar problemas na garganta. O refluxo pode levar suco gástrico até a laringe e inflamar o tecido, diz o fonoaudiólogo Leonardo Lopes, especialista em voz.

Pesquisa analisou horário eleitoral na TV
Nas eleições de 2006, Lopes coordenou uma pesquisa sobre a fala dos candidatos a deputado estadual na Paraíba. O estudo, feito com base no horário eleitoral gratuito, apontou que 60% tinham alterações de qualidade vocal.

“Isso está associado ao período em que se comunicam muito. Tem convenção, comício, entrevista, tem a comunicação ao ar livre, com muito ruído, o que demanda um esforço maior”, diz.

Os pesquisadores compararam as falas dos candidatos com o que se espera de um político, segundo o fonoaudiólogo, uma voz mais expressiva, com pausas e ênfases bem marcadas e mais grave. “As vozes se alternavam entre roucas e tensas. A fala era esterotipada, com padrão de leitura, sem padrão de pausa, com gestos repetitivos ou sem gestos”, resume.

Lula tem ‘calos’ na laringe
Veterano em campanhas eleitorais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já disse que tem “dois calos” nas cordas vocais como herança dos tempos de sindicalista, quando ficava nas portas das fábricas e em assembléias durante as greves falando com os trabalhadores.

“Os bichos já estão secos aqui na garganta e eu não quis tratar porque eu tenho esta voz meio rouca e as pessoas conhecem quando eu falo. Eu falei: vai que eu opere e a minha voz fique diferente”, contou, numa entrevista a uma rádio em março.

Os calos citados pelo presidente de fato podem surgir quando se abusa da voz, assim como pólipos e edemas. Para quem vai embarcar na campanha, a orientação é adotar atitudes preventivas para evitar medidas extremas num ambiente de disputa eleitoral.

“Nesses quadros de doença, o tratamento é com medicação e com a dosagem do período de uso da voz. Se não é feito repouso, o edema pode aumentar e fazer o político cancelar compromissos”, diz Lopes.

Não há um número máximo de horas recomendado para se falar por dia. Mas quem toma cuidados pode sair na frente. “Seguramente, uma laringe mais preparada tem um limite muito maior do que uma laringe não preparada. Tem pessoas com quatro horas de limite máximo da voz. E tem pessoas que usam a voz 12 horas e não têm problema nenhum”, diz a fonoaudióloga Ingrid Gielow.

A relação que os políticos têm com o discurso torna a voz um instrumento de trabalho não somente dentro de uma campanha. Certa vez, durante uma inauguração de um gasoduto na Bahia, o presidente Lula confessou: “Eu não ia falar, mas tem um problema que quando eu vejo um microfone, me dá cócega na garganta e eu fico com vontade de falar. Então vou dizer algumas palavras.” Estava explicada a raiz dos problemas vocais dos políticos desde sempre.



Fonte:
Maria Angélica Oliveira
Do G1, em São Paulo